Análise: João Sette Whitaker Ferreira - O Estado de S.Paulo
A cidade de São Paulo está em colapso, e sua capacidade de absorver a frota de automóveis já se esgotou há anos. Ainda assim, cerca de mil novos carros entram em circulação por dia na cidade, o que faz a frota crescer cerca de 15 vezes mais do que a população da cidade! Tal situação é resultado de uma urbanização historicamente voltada para a satisfação dos interesses econômicos da indústria automobilística, dos segmentos de maior renda - que preferem o carro ao transporte público - e alimentada por uma cultura política que sempre valorizou as obras viárias como grande trunfo eleitoral. Some-se a isso o total descaso da nossa sociedade com as camadas mais pobres, e o resultado é que ainda hoje os maiores investimentos em transporte - como as novas vias da Marginal do Tietê ou o Rodoanel - são voltados para o carro, e não para o transporte público, embora o uso do automóvel represente apenas 30% das viagens diárias feitas na cidade! Paris, por exemplo, iniciou a construção do seu metrô no final do século 19 e, por isso, constituiu uma cultura urbana voltada para a mobilidade por transporte público, uma solução hoje muito mais adequada aos novos desafios de sustentabilidade ambiental. Aqui, embora tenhamos começado nosso metrô junto com a Cidade do México, no início dos anos 70, hoje temos quatro vezes menos linhas do que eles.
A região do Morumbi não tem do que reclamar, já que para conectá-la melhor ao centro foram construídos um túnel sob o Rio Pinheiros e uma moderníssima ponte estaiada, pelos quais, pasmem, não podem passar ônibus! Mesmo assim, não há milagre que minimize o impacto de 6 milhões de veículos na cidade. Por isso, qualquer lançamento imobiliário vai carregar significativamente o trânsito, e soluções de melhoria viária serão apenas paliativas. A questão não é somente repensar e regular o ritmo de lançamentos imobiliários, em uma cidade em que o mercado atua com grande liberalidade, mas realizar um replanejamento da opção de transporte que São Paulo fez, pensando, a longo prazo, em uma cidade realmente mais justa, e não só voltada para os usuários de automóveis.
PROFESSOR DE PLANEJAMENTO URBANO DA FAU-USP E DA FAU-MACKENZIE
domingo, 30 de maio de 2010
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